Santa Beatriz da Silva
Santa Beatriz da Silva nasceu em Campo Maior, no Alto Alentejo, por volta de 1436, filha de Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior e de Ouguela, e de sua mulher Dona Isabel de Meneses, filha natural de Dom Pedro de Meneses, 1.º Conde de Vila Real e 2.º Conde de Viana do Alentejo, governador da cidade portuguesa de Ceuta, no norte de África. Eram descendentes dos Reis de Portugal, dos Reis de Leão e dos Reis de Castela. Entre outros, foram seus irmãos João de Meneses, que viria a ser o Beato Amadeu Hispano, secretário pessoal e confessor do Papa Sisto IV, e dos Duques de Milão, escritor místico e reformador da Ordem de São Francisco na Península Itálica; e Dona Maria de Meneses, donzela da Rainha Dona Isabel, mulher de Dom Afonso V de Portugal, que casou com Gil de Magalhães, 2.º Senhor de Ponte da Barca, ascendentes do Provedor da Real Irmandade de Santa Beatriz da Silva, Alfredo Côrte-Real.
Ainda menina, ingressou Dona Beatriz na casa da Infanta Dona Isabel, viúva do Infante Dom João, filha do Senhor Dom Afonso, 1.º Duque de Bragança e neta materna do Condestável São Nuno de Santa Maria. Na Primavera de 1447, com cerca de 11 anos de idade, partiu Dona Beatriz para Castela, como donzela da Senhora Dona Isabel, filha mais velha da Infanta Dona Isabel, que ia casar-se com Dom João II daquele reino.
Na corte castelhana, em poucos anos foi considerada a dama mais formosa e gentil, recebendo muitos pedidos de casamento de duques e de condes. Porém, não quis casar-se e fez um voto de virgindade, com cerca de 13 anos de idade. Este voto foi feito em circunstâncias dramáticas, quando a Rainha Dona Isabel, sua senhora, a encerrou num cofre, onde Dona Beatriz teve uma visão de Nossa Senhora vestida de azul e branco. O encerramento, que ocorreu no Paço Real de Tordesilhas, ter-se-á devido a uns ciúmes da Rainha, alimentados por intrigas palacianas, acerca de um suposto interesse de Dom João II, seu marido, por Dona Beatriz, embora seja possível, na verdade, que este acontecimento tivesse ocorrido por causa de uma doença psiquiátrica da Rainha, uma enfermidade que a acompanharia até à morte, daí a muitos anos.
Dona Beatriz da Silva decidiu sair imediatamente da corte e empreendeu viagem para Toledo, onde se recolheu no Mosteiro de São Domingos, o Real, de monjas dominicanas, com o apoio de Dom João da Silva, 1.º Conde de Cifuentes, seu parente, que morava na cidade com a sua família, como muitos outros portugueses, que ali se tinham exilado na Crise de 1385-1386. Assim, e nos Palácios de Galiana, em Toledo funda a sua Ordem há mais de 500 anos.
Foi nesta viagem que, saídos de trás de um monte, lhe apareceram dois religiosos da Ordem de S. Francisco. Beatriz encheu-se de medo, pois tinha receio pela sua vida. Chegando ao pé dela, um deles, dirigiu-se-lhe na sua língua, e perguntou-lhe qual a causa da sua aflição e temor. Depois destes a tranquilizarem, falaram-lhe na fundação da Ordem da Imaculada Conceição. Após estes dois frades terem desaparecido misteriosamente, Beatriz deu-se conta que não eram nem mais nem menos que Santo António de Lisboa e São Francisco de Assis.
Este encontro deixou-lhe na alma uma grande consolação e abriu-lhe a compreensão à realidade sobrenatural e espiritual.
Ali, no Mosteiro de S. Domingos, o Real viveu por mais de trinta anos, dedicando-se à oração e à penitência, sendo muito devota da paixão de Cristo, de Nossa Senhora da Conceição, de São João Baptista, de São Francisco de Assis, Santo António de Lisboa e de Santa Ana. Cobriu o seu rosto com um véu branco, reservando a sua extraordinária beleza apenas para Deus. Foi privilegiada com elevadas tenças por Dom Henrique IV de Castela e, depois, pela Rainha Dona Isabel, a Católica, filha da sua antiga senhora, que a venerava pela sua santidade. Com estas rendas, patrocinou sumptuosas obras no claustro e na sala do capítulo para presentear as dominicanas, onde se colocou o seu escudo e divisa, um labirinto.
Em 1484, com o apoio da soberana, saiu do mosteiro para uma parte dos Palácios de Galiana, situados na mesma cidade, junto ao rio Tejo, onde fundou um recolhimento dedicado a Nossa Senhora da Conceição, com doze donzelas, na sua maioria portuguesas, filhas das linhagens dos Silvas, dos Teles de Meneses, dos Portocarreiros, dos Sousas de Arronches e dos Abreus. A mais importante era a sua sobrinha Dona Filipa da Silva, filha do seu irmão Dom Diogo da Silva de Meneses, em breve 1.º Conde de Portalegre, e da sua mulher, Dona Maria de Ayala, filha dos Reis e Senhores das Sete Ilhas Canárias. Vestiam-se à secular, não estando vinculadas a nenhuma Ordem religiosa. Dona Beatriz mandou fazer magníficas obras nos Palácios, adaptando-os a espaço monástico, bem como na anexa Igreja de Santa Fé, que a Rainha também lhe doou.
Tinham ambas o desejo de ali fundar o Mosteiro da Conceição, o que veio a acontecer a 29 de Abril de 1489, por bula do Papa Inocêncio VIII, após elevarem juntas uma súplica ao Pontífice. Esta bula, conhecida como Inter universa, foi depois executada em Toledo, na presença de Dona Beatriz e das suas discípulas, nos Palácios, mas a fundação do mosteiro concluiu-se apenas poucos momentos antes da morte da própria Dona Beatriz, que foi a primeira a professar e a receber o hábito da Conceição, já em agonia, a 9 de Agosto de 1491. Para também receber então a Santa Unção, levantaram-lhe do rosto o véu branco. Viu-se que a sua face resplandecia “como a luz quando mais luz”, segundo Joana de São Miguel, sua primeira biógrafa; e que na fronte surgiu uma estrela de ouro muito brilhante, que se extinguiu quando morreu. Tornar-se esta estrela no seu maior símbolo, estando em praticamente todas as suas imagens, desde o século XVI aos nossos dias.
As donzelas professaram quinze dias depois, a 17 de Agosto, concluindo a fundação do Mosteiro, que ficou integrado na Ordem de Cister, com obediência ao Arcebispo de Toledo e tendo a faculdade de eleger os seus confessores, do clero regular ou de qualquer Ordem religiosa. Dona Beatriz elegera, ao que parece, os franciscanos observantes, motivo pelo qual estavam presentes na sua agonia, morte e sepultura. Pouco depois, em 1494, a Rainha Dona Isabel, a Católica, e Dona Filipa da Silva, eleita primeira abadessa do Mosteiro, elevaram uma súplica à Santa Sé, pedindo a mudança para a Ordem de Santa Clara, já não com jurisdição diocesana, mas uma obediência aos franciscanos observantes, então destacados defensores da crença de que Nossa Senhora fora concebida sem pecado original, assunto teologicamente polémico, crença e devoção que fora também a de Dona Beatriz, que com eles comungava esta devoção desde a sua infância em Portugal. O Papa Alexandre VI mudou o Mosteiro como pedido, mas conservando este o seu título da Conceição, o seu hábito azul e branco, que Dona Beatriz inventara, a sua liturgia própria, etc., bem como lhes deu a faculdade de fundar mosteiros semelhantes, o que rapidamente se fez, pela Espanha, Roma, Flandres, etc., dando corpo à nova Ordem da Conceição, que Dona Beatriz idealizara, mas não pudera acabar de fundar. O Papa Júlio II concedeu-lhes uma Regra da Conceição própria em 1511, concluindo-se a fundação.
Em torno do corpo de Dona Beatriz, considerada fundadora da nova Ordem, crescia a devoção, havendo disputas pela sua posse e vários milagres. O seu culto prosseguiu pelos séculos, dentro e fora dos mosteiros. Foi beatificada apenas em 1926 e canonizada em 1976, pelo Papa Beato Paulo VI, sendo a primeira mulher nascida em Portugal a receber esta honra e até hoje a única. No seu reino natal houve muitos mosteiros desta Ordem, extintos no século XIX, como todos os outros, mas a Ordem foi restaurada em 1942 entre nós e conta hoje com três mosteiros, onde as monjas vivem em clausura, dedicadas à oração e ao trabalho: em Campo Maior, terra natal de Santa Beatriz; em Viseu e no Estoril. As monjas da agora denominada Ordem da Imaculada Conceição são habitualmente chamadas por Concepcionistas franciscanas, ou apenas Concepcionistas, por influência espanhola, embora possam, ou devam, ser chamadas por Conceicionistas, honrando, assim, a invocação de Nossa Senhora da Conceição como Rainha de Portugal, coroada por Dom João IV.
A Bula «Inter Universa» está datada de 30 de Abril de 1489, quinto ano do Pontificado de Inocêncio VIII. É esta, certamente,a autorização solene, oficial e pontifícia para a Fundação da Ordem da Imaculada Conceição, conhecida pela Ordem das Concepcionistas.
Beatriz teve uma vida de entrega, dedicação, amor e serviço, assim como de total devoção à Imaculada Conceição.
Para um estudo mais aprofundado sobre Santa Beatriz da Silva, veja-se:
José Félix Duque, Santa Beatriz de Silva. Fundadora de la Orden de la Inmaculada Concepción. Nueva Biografía (Prefácio de SER Dom José Alves, Arcebispo de Évora), Maia, Edições Cosmorama, 2015.
José Félix Duque, O Fuso e a Trama. Santa Beatriz da Silva e a Fundação da Ordem da Imaculada Conceição (Séculos XV e XVI) (Prefácio de Vanda Anastácio, FL/UL), Maia, Edições Cosmorama, 2013.
Dom Francisco José Senra Coelho, Santa Beatriz da Silva (Prefácio de José Félix Duque, CEC-FL/UL), Lisboa, Paulus, 2011.